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Repórter que roubou beijo de colega na Record é condenado por assédio sexual

Daniel Castro


Quase quatro anos após ser acusado de assédio sexual por quatro colegas de trabalho na Record, o jornalista Gerson de Souza foi condenado na segunda-feira (17) a dois anos e meio de reclusão pelo crime de importunação sexual. A pena, da juíza Ana Carolina Munhoz de Almeida, foi convertida por ela mesma em prestação de serviços comunitários e multa de dez salários mínimos (R$ 13.200,00).


Souza, hoje com 64 anos, era uma das estrelas do Jornalismo da Record. Em maio de 2019, quatro mulheres que trabalhavam com ele no Domingo Espetacular foram à polícia acusá-lo de praticar assédio sexual rotineiramente. O repórter, segundo elas, fazia piadas de cunho sexual, falava palavras obscenas e apalpava seus corpos, as deixando constrangidas. A gota d'água para as denúncias foi um "beijo roubado" (ou "lascivo", para a Justiça) de uma jornalista casada.


Gerson de Souza negou as acusações na polícia e na Justiça. Disse que era vítima de "revanchismo" por ter feito críticas ao trabalho de uma das denunciantes. Mas, após ouvir as vítimas e 21 testemunhas, a juíza concluiu que ele agia com "vontade consciente de praticar atos libidinosos".


O jornalista foi condenado duas vezes por importunação sexual (artigo 215-A da Lei 13.718/2018): pelo beijo lascivo e por tocar o braço de outra mulher dizendo que a pele era macia como a bunda dela.


"Em que pese a divergência doutrinária acerca da (im)prescindibilidade do toque físico para configuração do tipo, toques e beijos lascivos, dados sem consentimento da outra pessoa, são práticas que caracterizam o crime de importunação sexual", escreveu Ana Carolina na sentença.


Cabe recurso da decisão. Defensor de Gerson de Souza, o advogado criminalista Leonardo Magalhães Avelar disse em nota ao Notícias da TV que "a sentença possui erros técnicos graves e não reflete a realidade do contexto factual". "Certamente será objeto de reforma pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em sede de apelação", acrescentou.


Repórter foi demitido pela Record

Pesou também na decisão da juíza de considerar Souza culpado o fato de a Record tê-lo demitido em 2020, um ano e cinco meses depois das denúncias de assédio. A emissora, que inicialmente orientou as vítimas a procurarem a polícia, manteve Souza contratado, apesar de afastado do trabalho, até a conclusão do inquérito policial.


A principal vítima também foi demitida pela Record, três meses antes, após voltar de licença médica. Em depoimento à Justiça, ela afirmou que "Gerson tinha o hábito de 'abraçar mais forte' as mulheres, 'sentir o peito' e falar: 'Ai que delícia' e 'Como está gostosa'". Segundo ela, o repórter também costumava "beijar as mulheres mais próximo à boca", na frente de todos na Redação do Domingo Espetacular.


A vítima também afirmou à Justiça que chegou a se esconder no banheiro, para não ficar sozinha na Redação com Souza, e pediu ao então marido, que também trabalhava na Record, que a acompanhasse na presença do repórter. Ela aguentou até o dia em que Souza se aproximou por trás e deu um beijo em sua boca". "Você está louco?", teria questionado a vítima. "Roubado é mais gostoso", teria respondido o jornalista.


A segunda vítima confirmou as denúncias da primeira e contou à Justiça que Souza tinha o hábito de chupar picolé na Redação e fazer piadas de duplo sentido. Segundo ela, certa vez o repórter "ficou chupando o sorvete com a língua para fora, insinuando o movimento de sexo oral".


Vítima teve 'credibilidade abalada'

Em seu depoimento à Justiça, Souza negou as acusações e disse que suas ações foram tiradas do contexto, eram "narrativas mentirosas". Ele, contudo, confirmou que tinha o hábito de "beijar todos" no rosto e alegou que "chupar picolé" era uma "brincadeira". "Sou de uma época em que brincar com mulher era normal", disse à juíza.


Gerson de Souza argumentou que tinha problemas de relacionamento com a principal vítima "por causa de sua incompetência". Certa ocasião, disse ele, a colega falhou por não ter providenciado bananas para a produção de uma reportagem sobre doce de bananas. Para ele, as denúncias foram vingança pelas críticas ao seu trabalho.


Na sentença, a juíza considerou os problemas que a principal vítima teve ao encarar a pressão da denúncia e as hostilidades com que foi tratada depois. Ela desenvolveu vitiligo, úlcera e inflamação gastrointestinal. Diagnosticada com depressão, se afastou em licença médica. Seu casamento acabou e, após ser demitida, ela teve que mudar de profissão.


"Na primeira fase, analisadas as circunstâncias judiciais alinhadas pelo artigo 59 do Código Penal, verifico que: a culpabilidade é normal à espécie; o réu não registra maus antecedentes; o motivo é inerente ao elemento subjetivo; as circunstâncias do crime não comportam maior reprovação social; as consequências do crime, por sua vez, devem ser valoradas negativamente, pois em decorrência, a [nome da vítima] passou a suportar inúmeras enfermidades e, ainda que na qualidade de vítima, teve sua credibilidade no meio jornalístico abalada", sentenciou Ana Carolina Munhoz de Almeida.

 

Texto publicado originalmente em Notícias da TV.

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