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Arthur do Val violou direito internacional ao fazer coquetel molotov na Ucrânia

Deputado paulista enfrenta processo de cassação do mandato mas pode ter de responder também por produzir armas incendiárias e interferir num conflito fora do Brasil



Ricardo Mendonça


Advogados especializados em Direito Internacional e Defesa ouvidos pela reportagem afirmam que o deputado estadual paulista Arthur do Val - Mamãe Falei - (recém-desfiliado do Podemos) violou dispositivos legais, diplomáticos e até uma convenção internacional de guerra caso fique comprovado que ele contribuiu para a fabricação de coquetéis molotov na Ucrânia, como relatou em suas redes sociais.


Durante sua viagem ao país europeu, que está em guerra com a Rússia, Arthur do Val afirmou que ajudou na confecção das bombas caseiras. Num vídeo divulgado por seu perfil no Instagram, ele afirma: “Fizemos lá um monte de coquetel molotov. Para você ter uma ideia, a unidade que a gente fez, [produziu] mais de 75 mil coquetéis molotov”.


Em outro momento, Arthur do Val divulgou uma foto sua num espaço repleto de garrafas de vidro vazias com o post: “Nunca imaginei que um dia nessa vida ainda faria Coquetéis Molotov para o exército Ucraniano”.


Para o advogado Tarciso Dal Maso, consultor legislativo do Senado para Relações Internacionais e Defesa, a fabricação de coquetéis molotov por parte de um parlamentar brasileiro configura uma violação do Protocolo 3 da Convenção de 1980 sobre Armas Convencionais da qual o Brasil é signatário.

“Como parlamentar, Arthur do Val é um agente do Estado brasileiro no exterior. Então ele deve respeitar e seguir as normas de forma condizente com esse status. Coquetel molotov é uma arma incendiária. Em 1980, o Brasil ratificou a convenção internacional que estabelece a proibição de armas incendiárias. Entram nessa convenção armas químicas, mina terrestre, lança-chamas e outras”, afirma.

Outro aspecto que, segundo Dal Maso, pode ser objeto de questionamento jurídico é em relação ao Artigo 4º da Constituição Federal, trecho da Carta que lista os princípios que regem as relações internacionais do Brasil. “Ao contribuir para a produção de explosivo, ele também viola o item IV ao Artigo 4º, que prima pela não-intervenção. Pela descrição, o que ele fez, efetivamente, configura uma intervenção no conflito”, afirma.

A viagem de Arthur do Val à Ucrânia chamou mais a atenção por uma sequência de áudios de WhatsApp distribuídos pelo deputado a um grupo de amigos. Ao descrever sua passagem pelo país, afirmou que as mulheres ucranianas eram "fáceis" por serem "pobres". Entre outras manifestações de teor misógino, comparou a fila de refugiadas ucranianas à fila de uma balada em São Paulo.

Em razão da péssima repercussão dessas falas, Arthur do Val desistiu de sua pré-candidatura ao governo de São Paulo, pediu desfiliação do Podemos depois que o partido já havia aberto um processo interno de expulsão e irá enfrentar mais de uma dezena de pedidos de cassação de seu mandato na Assembleia Legislativa.

Ele também anunciou que pretende se afastar do Movimento Brasil Livre (MBL), entidade da qual despontava como uma das principais lideranças e que fez ampla divulgação de sua viagem à Ucrânia.


O caso da anunciada fabricação de coquetéis molotov também poderá ser objeto de análise por parte da Assembleia no decorrer do processo de cassação de seu mandato.

Para viajar à Ucrânia, Arthur do Val solicitou licença não-remunerada de dois dias para viagem “de interesse particular”, conforme publicado no Diário Oficial no dia 4 de março.

Em entrevista ao Valor, o presidente da Casa, o deputado Carlão Pignatari (PSDB), manifestou surpresa com a informação de que seu colega de Assembleia havia reconhecido participação na fabricação de coquetéis molotov. “Antes de viajar, ele me ligou e mencionou outra finalidade. Ele me falou que iria à Ucrânia em missão humanitária”, disse.

A pedido do Valor, a assessoria da Secretaria Geral Parlamentar da Assembleia Legislativa de São Paulo informou que o pedido de licença solicitado e concedido a Arthur do Val serve para informar ausência em eventuais atividades da Casa, será usado para desconto remuneratório correspondente ao período de ausência, mas não tirou dele a condição de parlamentar da Casa. Mesmo no exterior.

O advogado Leonardo Magalhaes Avelar menciona ainda um quarto tipo de questionamento jurídico que pode incidir sobre Arthur do Val. “Trata-se da situação de um parlamentar brasileiro, um representante do Estado brasileiro, portanto, tomando posição ativa numa guerra contra a posição nacional já manifestada pelo país na Organização das Nações Unidas e eventuais outras instâncias diplomáticas”, diz.

Isso, segundo ele, poderia acarretar questionamento de outros países em relação à consistência das posições oficiais do país, o que seria fonte de constrangimento político e enfraquecimento da credibilidade do país.

A assessoria de imprensa do MBL não negou que Arthur do Val tenha ajudado na fabricação de explosivos na Ucrânia. Por escrito, porém, manifestou um entendimento divergente dos que foram apresentados por advogados ouvidos pela reportagem e do que foi informado pela Secretaria Geral Parlamentar da Assembleia.


“Primeiramente, no período em que estava em viagem, o deputado Arthur do Val estava licenciado temporariamente do cargo. Além disso, o Arthur não representa o Estado brasileiro, pois ele não é chefe de governo, chefe das forças armadas ou embaixador; durante a viagem ele era apenas um cidadão comum. Ainda que não tivesse licenciado, é apenas deputado de uma assembleia estadual”, diz a nota.

 

Texto publicado originalmente em Valor Econômico.

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