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Gasparini utilizava familiares para seguir no anonimato, diz relatório

Ministério Público (MP) aponta que filha teve papel na ocultação de valores; defesa da família alega 'pirotecnia' e absurdo jurídico

Por: JCNET André Fleury Moraes

Um relatório de inteligência do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), núcleo do Ministério Público (MP) paulista, aponta que o ex-presidente da Cohab, Edison Bastos Gasparini Júnior, utilizava seus familiares diretos para manter na sombra suas negociações e fazer com que seu nome permanecesse anônimo.

Um dos parentes apontados pelo Ministério Público é Mariana Gonçalves Dias Gasparini, filha do ex-presidente, indicada no relatório como "peça fundamental" no esquema que desviou, segundo acusação do Gaeco, R$ 54 milhões da companhia.

Sigiloso, o documento obtido pelo JC é parte do inquérito policial que resultou na ação penal ajuizada pelo Ministério Público de Bauru contra o ex-presidente e seus familiares. O caso tramita sob segredo de Justiça.

Para além de Edison Gasparini, respondem à ação a esposa, Izabel Cristina Gonçalves Dias Gasparini, a filha, Mariana Gonçalves Dias Gasparini, a sogra, Maria Luzia Giacometo Dias, e o ex-diretor financeiro da companhia, Paulo Sérgio Gobbi.

O relatório final que analisou a utilização do nome de Mariana Gasparini e sua participação no esquema tem 93 páginas.

A maior parte de seu conteúdo está no processo ajuizado contra os familiares. Dividido por capítulos, o relatório pormenoriza as contas bancárias da filha - oito, no total -, faz uma análise minuciosa das movimentações e destaca as entradas e saídas que chamaram atenção do MP.

Para o advogado Leonardo Magalhães Avelar, que defende a família Gasparini no caso, o documento do MP representa uma "pirotecnia" que ele nunca viu em 25 anos de advocacia.

"É o maior absurdo jurídico que já li. O relatório é factualmente distorcido e tecnicamente pueril, a ponto de considerar viagens familiares como hipótese de lavagem de dinheiro", afirma Avelar ao JC. Ele diz que vai corrigir as supostas ilegalidades em tribunais superiores.

PAPÉIS

Segundo o documento, Mariana não teve um papel propriamente relacionado ao modus operandi dos desvios de dinheiro. Mas sim à dissimulação e ocultação destes valores, "ora emprestando seu nome para registro de imóveis, ora emprestando seu nome para criação de pessoa jurídica produtora rural", aponta material elaborado pela promotoria.

E-mails obtidos pelo Ministério Público, que constam do relatório de inteligência, mostrariam que a filha de Gasparini tinha "efetiva participação na administração de bens da família, atuando na administração direta de diversos imóveis oferecidos em aluguel". O beneficiado final, destaca o MP, era justamente o ex-presidente da Cohab.

EM DETALHES

A partir das oito contas bancárias analisadas pelo relatório, o MP constatou que as movimentações demonstram incompatibilidade com o padrão de vida que a família deveria ter. Isso a partir dos salários de Edison e sua esposa Izabel.

"A análise permite a conclusão de que Mariana não somente era ciente de todo o quadro ilícito construído por seu pai como também dele participava, desempenhando um papel fundamental, em especial na fase de branqueamento dos valores desviados", aponta o documento. Na prática, o ex-presidente da companhia se utilizava de seus familiares para permanecer anônimo, avalia a promotoria.

SALDOS

A análise individual das contas bancárias de Mariana mostra uma frequência de depósitos e retiradas que pode ser considerada suspeita, aponta o relatório. E que evidenciariam uma utilização, ao fim e ao cabo, em benefício de seu pai.

Uma das contas recebeu R$ 712 mil em créditos (depósitos) entre 2010 e 2020. Quase metade deste valor - R$ 340 mil - foi depositada sem identificação, o que sugere movimentação em espécie.

Os depósitos identificados apontam, por sua vez, que Mariana seria beneficiária dos negócios da família relacionados ao agronegócio. Como já noticiou o JC, eles são acusados de lavagem de dinheiro a partir da compra de propriedades rurais e negociações envolvendo gado e agricultura. Gasparini, por sua vez, cuidava das propriedades de forma oculta.

Assim como os depósitos, aliás, a maior parte das retiradas - R$ 344 mil - também não foi identificada. Nesta conta em específico, mostra o relatório, haveria uma relação direta entre as entradas e as retiradas. "Os créditos quase coincidem com os débitos, de forma a indicar que essa conta era utilizada pelos pais de Mariana para movimentações financeiras", aponta o Ministério Público.

INVESTIGAÇÕES

As movimentações nas principais contas de Mariana teriam crescido substancialmente a partir de 2017, justamente o ano em que o MP iniciou uma das investigações envolvendo supostas fraudes na Cohab e, especialmente, o ex-presidente Gasparini Júnior, o que corrobora o argumento do Ministério Público de que Edison usava nome dos familiares para garantir as negociações ilícitas.

A crescente tendência de entradas e saídas, por outro lado, "foi abruptamente interrompida a partir de 2020" - após a Operação João de Barro, que promoveu uma devassa na família Gasparini, consta no relatório. A operação foi deflagrada em 2019, quando foi apreendido R$ 1,6 milhão, na casa do ex-presidente da Cohab.

O documento do MP mostra ainda que, em várias ocasiões, foram realizados sucessivos depósitos de mesmo valor nas contas de Mariana. Em 6 de abril de 2018, por exemplo, houve 5 depósitos - todos de R$ 2 mil.

 

Texto publicado originalmente em JCNET.

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