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Anderson Torres deve responder por novos crimes por minuta contra resultado eleitoral

Por: JOTA


Polícia Federal encontrou proposta que previa estado de defesa no TSE. Ex-presidente não é implicado diretamente


Letícia Paiva


A minuta de um decreto encontrada pela Polícia Federal na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL), para estabelecer estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e alterar resultado da derrota nas urnas colabora para justificar ordem de prisão dele e pode aproximar investigações criminais do ex-presidente.


O texto foi achado após busca e apreensão na casa de Torres, decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que também ordenou sua prisão. Ele é suspeito por ter se omitido e até facilitado atentado de bolsonaristas contra prédios dos Três Poderes, no domingo (8/1).


Desde o início do ano, ocupava a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. Porém, no momento da invasão, estava em Orlando, nos Estados Unidos, mesma cidade em que o ex-presidente Bolsonaro passa uma temporada.


A minuta justifica o estado de defesa no TSE para apurar supostos abusos de poder, suspeição e medidas ilegais tomadas no processo eleitoral pela presidência do tribunal, ocupada pelo ministro Alexandre de Moraes. O documento teria sido redigido após as eleições e encontrado em um armário de Torres, segundo reportagem da Folha de S.Paulo.


Nessa linha, indica a preparação de crimes contra a democracia e as instituições. “No mínimo, é possível inferir que o documento é um forte elemento indiciário de tendências golpistas, podendo ser utilizado no conjunto probatório para fortalecer a tese de omissão proposital de Anderson Torres na condução da segurança pública do Distrito Federal no dia dos atentados antidemocráticos”, afirma o advogado criminalista Leonardo Magalhães Avelar, fundador do Observatório do Direito Penal.


Ainda é cedo para compreender se Torres é um dos autores do documento ou se houve o eventual envolvimento de outras autoridades na elaboração da proposta de decreto, incluindo o ex-presidente Bolsonaro, e as relações com os atos de 8 de janeiro. “A investigação criminal deve ser expandida para o exato contexto da elaboração do documento e seus participantes”, adiciona Avelar.


Se o cenário se tornou ainda mais delicado para Torres, esse novo elemento pode não ser, de forma isolada, suficiente para conectar os atentados a Bolsonaro – levando em conta as informações tornadas públicas. No que se trata de responsabilidade penal, também não está clara a implicação do ex-presidente num possível plano para manietar o TSE. Se for demonstrado, por meio de provas, que ele ele tinha conhecimento, a situação mudaria.


“Não há ainda, nesse momento, indicativos de vínculo direto do ex-presidente ao que foi apreendido na residência de seu então ministro da Justiça, e isso também deve ser investigado para, uma vez formulada suspeita séria de participação por ação ou omissão de Torres, se cogitar vínculo de Bolsonaro por conhecimento sobre o que poderia estar sendo tramado”, afirma Renato Stanziola Vieira, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.


Os principais crimes relacionados aos atos antidemocráticos são de tentativas de abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, e dar um golpe de Estado (artigos 359L e 359M do Código Penal). As penas variam de quatro a doze anos de reclusão.


No caso da minuta, não haveria tentativa de depor um governo constituído, considerando a presença de Bolsonaro no cargo. Mas poderia haver relação com o artigo 359-N, que trata de impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral.


A prática de um crime se dá tanto por ação quanto por omissão. A segunda pode ser punida quando havia o dever de evitar o crime, ao ter a obrigação por lei de proteger e vigiar – caso de agentes públicos de segurança, por exemplo. É no que se baseia a ordem de prisão contra Torres.


Em sua conta no Twitter, Torres disse que a minuta fora apanhada quando ele não estava presente e vazada fora de contexto, ajudando a alimentar narrativas falaciosas contra ele. Também disse respeitar a democracia, por isso afirma ter sido o primeiro ministério a entregar os relatórios de gestão para a transição.


“No cargo de ministro da Justiça, nos deparamos com audiências, sugestões e propostas dos mais diversos tipos. Cabe a quem ocupa tal posição, o discernimento de entender o que efetivamente contribui para o Brasil. Havia em minha casa uma pilha de documentos para descarte, onde muito provavelmente o material descrito na reportagem foi encontrado”, afirmou Torres.


Ainda que ele não seja o autor do texto, poderia ainda responder por prevaricação se tomou conhecimento da intenção e nada fez. A falta de comunicação aos órgãos competentes poderia ser enquadrada nesse crime, o que ainda dependerá de maiores investigações.


Esse crime ocorre quando um agente público retardar ou deixa de praticar, indevidamente, ato que seria sua função ou então realizar a atividade de forma distinta do que é previsto pela lei para “satisfazer interesse ou sentimento pessoal” – artigo 319 do Código Penal, com pena de até um ano de reclusão.


“A mera existência de um rascunho de decreto entregue a ele já indica que há, pelo menos, prevaricação. Ele deveria ter tomado providências, e não ter guardado o documento na gaveta. O outro cenário é que ele tenha redigido cogitando levar isso adiante”, diz o advogado criminalista Davi Tangerino.


A ordem de prisão contra Torres, inicialmente expedida por Moraes e depois aprovada pelo plenário do STF por maioria, suscitou algumas desaprovações sobre se essa seria a medida processual adequada. Inclusive, os ministros Nunes Marques e André Mendonça haviam feito ressalvas quanto a ela.


Com a minuta, essa percepção pode mudar. “A prisão de Torres fica mais fortemente corroborada e embasada, embora juridicamente possa não ser o meio mais adequado, já que a ordem não é contemporânea aos fatos que aconteceram. Isso também fecha o cerco sobre a responsabilidade de Bolsonaro, ao aproximar essas intenções dele”, avalia o advogado criminalista Rodrigo Faucz.


O que é o estado de defesa, presente na minuta contra o TSE?


O estado de defesa é um mecanismo de exceção, previsto no artigo 136 da Constituição Federal. Ele tem por função “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social”, quando elas estiverem “ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.


Durante sua vigência, o Congresso Nacional fica impedido de modificar a Constituição por meio de PECs. Além disso, o estado de defesa permite a restrição de direitos de reunião, de sigilos de correspondência e de comunicação telegráfica e telefônica.


No estado de defesa também há a previsão de que o executor da medida, indicado pelo presidente no decreto, possa determinar a prisão por crime contra o Estado, preservada a imediata comunicação ao juiz competente. Nem todas as medidas previstas precisam ser impostas concomitantemente ao se decretar um estado de defesa.


Para entrar em vigor, o estado de defesa deve ser decretado pelo presidente da República, depois de ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional.


Em seguida, o ato precisa ser encaminhado para análise do Congresso Nacional. Em até dez dias, os parlamentares devem decidir, por maioria absoluta, se mantêm ou derrubam a medida, que entra em vigor imediatamente após o decreto presidencial. O estado de defesa só pode durar 30 dias.

 

Texto publicado originalmente em JOTA.

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