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Moraes tem pouca margem para punir Bolsonaro por falta a depoimento na PF


Presidente mantém disposição de não prestar depoimento, mesmo após ministro recusar recurso da AGU


Julia Chaib

José Marques


Apesar da recusa do presidente Jair Bolsonaro (PL) em cumprir determinação de depor presencialmente à Polícia Federal nesta sexta (28), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes tem pouca margem de manobra para aplicar sanções contra ele.


Segundo integrantes do governo, o presidente mantém a disposição de não prestar depoimento, mesmo após Moraes recusar o recurso da AGU (Advocacia Geral da União).


Integrantes do Supremo avaliam que Moraes não precisava ter determinado hora e local para o presidente depor, de um dia para outro, sendo que não havia, em tese, a obrigatoriedade de o presidente depor.


Existe no governo o sentimento de que ele quer medir forças com o mandatário, mas agora está ficando com poucas saídas.


Uma delas, considerada drástica por técnicos e especialistas, é abrir uma apuração de ofício para saber se Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao descumprir ordem judicial.


A PGR (Procuradoria-Geral da República) ficaria com a responsabilidade de conduzir essa apuração.


Porém, o mais comum, de acordo com o entendimento atual do Supremo, é que não haja medidas contra o presidente por ter se recusado a depor em um inquérito no qual é investigado.


O Supremo chegou a iniciar um julgamento no ano passado a respeito da possibilidade de o presidente depor por escrito e não presencialmente.


A análise do caso foi suspensa, após uma mudança de posicionamento da AGU, que inicialmente havia concordado com a possibilidade de o presidente ser interrogado no inquérito. Por isso Alexandre de Moraes determinou o depoimento presencial.


"A defesa expressamente concordou com a sua oitiva [de Bolsonaro] e solicitou, por intermédio de petição, protocolada em 10/12/2021, a concessão de prazo adicional de sessenta dias para a sua realização, em razão de compromissos firmados em sua agenda presidencial", afirmou o ministro, em despacho.


"Determinei a prorrogação do prazo para a realização da sua oitiva, concedendo mais 45 dias, com

termo final em 28/01/2022", acrescentou.


Horas antes do vencimento do prazo, às 22h46, a AGU mudou de posição e informou que Bolsonaro não compareceria ao interrogatório.


Advogados que atuam na área criminal afirmam que o direito ao silêncio é uma garantia do investigado, que pode não ir ao interrogatório, e essa visão tem sido seguida pelo STF.


"Eu não vejo como, no atual entendimento do Supremo, atrelar qualquer tipo de consequência ao não comparecimento dele", afirma Pierpaolo Bottini, advogado e professor de Direito Penal da USP.


Para Mayra Mallofre Carrillo, especialista em direito penal econômico, o não comparecimento "deve ser entendido como o exercício do direito ao silêncio, indicando que as investigações devem prosseguir sem as declarações do investigado, uma vez que ele não é obrigado a prestá-las".


"Qualquer tentativa de forçar esse comparecimento, no meu modo de ver, configuraria abuso de autoridade da parte do ministro [do STF]", afirma.


O criminalista Leonardo Magalhães Avelar também diz que o presidente tem direito ao silêncio, como investigado, mas acrescenta que há uma determinação do STF e "em tese, em caso de descumprimento de referida ordem, seria possível aventar a prática de crime de responsabilidade do presidente da República".


Bolsonaro é alvo de apuração por suspeita de vazamento de dados sigilosos de investigação da Polícia Federal. O inquérito busca saber como ele teve acesso a apuração sobre ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral.


O presidente usou essa informação para levantar a tese de fraude na eleição de 2018 em entrevista no dia 4 de agosto do ano passado.


A possibilidade de condução coercitiva de Bolsonaro também é vista como improvável, já que o próprio Supremo julgou de forma contrária a esse tipo de medida.


O próprio Alexandre de Moraes diz isso na decisão que determinou o depoimento de Bolsonaro.


"[No Brasil, é vetada] a possibilidade de condução coercitiva, no caso de recusa injustificada de comparecimento por parte do investigado; em que pese meu posicionamento em contrário, manifestado no julgamento", afirmou.

 

Texto publicado originalmente em Folha de São Paulo.

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