Notícias, Jurisprudências, Projetos de Lei e o Termômetro da Semana
Notícias
Vetos ao Pacote Anticrime são Derrubados pelo Senado
O Senado confirmou a votação da Câmara dos Deputados pela derrubada parcial dos vetos do Presidente Jair Bolsonaro aos dispositivos do Pacote Anticrime.
Dentre as matérias analisadas destacam-se: (i) validade, em matéria de defesa, da gravação ou escuta realizada por um dos interlocutores, sem o prévio conhecimento da autoridade policial; (ii) possibilidade de pagamento de advogados para policiais que são investigados pela morte de terceiros no exercício de suas funções, quando não houver defensor público; (iii) obrigatoriedade de submissão do condenado por crime doloso praticado com violência, crime contra vida ou sexual contra vulnerável à identificação do perfil genético mediante extração de DNA; (iv) aumento da pena dos crimes contra a honra em caso de divulgação em redes sociais; (v) tornar qualificado homicídio cometido com emprego de arma de uso restrito ou proibido; (vi) proibição de realização de audiência de custódia por videoconferência; (vii) possibilidade de readequação da característica de bom comportamento pelo condenado, após um ano da ocorrência do fato.
Ao contrário do que exige a técnica legislativa, os motivos que levaram aos vetos presidenciais estão amparados, em sua maioria, em convicções pessoais, sendo alheios aos princípios basilares do processo penal. Dessa forma, para melhor compreensão dos motivos dos vetos e análise crítica dos dispositivos que serão inseridos na legislação penal, será enviado material a parte.
Por fim, importante destacar que embora a Constituição Federal preveja que a derrubada de vetos presidenciais seja realizada em sessão conjunta entre as casas, o Poder Legislativo, diante do atual cenário da pandemia, decidiu que, por se tratar de sessão remota, não haveria obrigatoriedade de análise conjunta. O desrespeito de uma norma constitucional por impossibilidade instrumental pode, no entanto, gerar questionamentos, sendo passível inclusive de ser judicializada.
Jurisprudências
Procuração é Inexigível para Análise de Recurso em Habeas Corpus
Julgado: Habeas Corpus 199.322
O Ministro Gilmar Mendes afastou a exigência de apresentação de procuração como requisito de admissibilidade recursal em sede de Habeas Corpus, determinando que seja analisado pelo Superior Tribunal de Justiça.
A decisão foi proferida em Habeas Corpus impetrado pela defesa de ex-juíza federal, que teve a tramitação do remédio constitucional negada por decisão monocrática em que não se admitiu o agravo regimental pela não apresentação de procuração quando da interposição recursal.
Acolhendo a tese defensiva, o voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal acertadamente destacou a jurisprudência consolidada da Corte no sentido de que a prova do mandato é inexigível tanto para impetração quanto para o recurso, independente do pedido ser realizado a Tribunais de Apelação ou às Instâncias Superiores.
A temática da impossibilidade de restrição da via do Habeas Corpus apenas aos advogados que tenham sido constituídos pelos pacientes trata da essência deste remédio constitucional, ao prestigiar seu caráter popular, que possibilita a impetração por qualquer pessoa, independente de habilitação profissional. Consagrando o direito constitucional de defesa em seu exercício pleno, consolida-se a máxima que quem tem legitimação para propor Habeas Corpus também tem legitimação para dele recorrer.
Reafirmação dos Postulados da Ampla Defesa e do Contraditório: Interrogatório do Réu Deve Aguardar Retorno das Cartas Precatórias
Julgados: HC 629.900 e HC 585.942
A Ministra Laurita Vaz do Superior Tribunal de Justiça concedeu ordem de Habeas Corpus para anular sentença de réu condenado pelo crime de descaminho, bem como para determinar que seja realizado novo interrogatório do Paciente e dos corréus, tendo em vista que o interrogatório foi realizado antes da oitiva de testemunhas por carta precatória (HC 629.900). A decisão está em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, bem como da 3ª Seção do STJ, que unificou antiga divergência de jurisprudência existente entre as Turmas.
Com efeito, o antigo entendimento da 6ª Turma do STJ era pautado em interpretação equivocada do artigo 222, §1º, do Código de Processo Penal, para sustentar que a expedição de carta precatória para a oitiva de testemunhas não levaria à suspensão da ação penal e, portanto, não impediria a realização do interrogatório dos acusados. Por sua vez, a 5ª Turma do STJ, de forma acertada, entendia que o interrogatório do acusado deve ser o último ato de instrução, nos termos do artigo 400, do Código de Processo Penal.
O ponto final da questão ocorreu em dezembro de 2020, em julgamento realizado pela 3ª Seção (HC 585.942), de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, que reestabeleceu a coerência necessária a ser conferida ao artigo 222, §1º, do Código de Processo Penal, o qual não autorizou, de forma alguma, a realização de interrogatório do réu em momento diverso do previsto no artigo 400, do Código de Processo Penal. Isso porque, para que o acusado tenha seu direito pleno de defesa garantido e possa contrariar todos os argumentos suscitados no processo, é preciso que ele seja o último a ser ouvido.
Nesse sentido, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado em 2019 sobre o mesmo tema, o Ministro Alexandre de Moraes bem pontuou que "A relação de antagonismo entre as versões da acusação e da defesa e a necessidade da condução dialética do processo não deixam dúvidas sobre quem tem o direito de falar por último: o acusado” (HC 176.332). Diante disso, a pacificação do entendimento no Superior Tribunal de Justiça, corroborada pela recente decisão monocrática da Ministra Laurita Vaz de que o interrogatório do réu deve aguardar o retorno das cartas precatórias, pois deve ser o último ato da instrução, soa como um alento ao processo penal democrático, reafirmando os princípios do devido processo legal, ampla defesa e contraditório.
Projetos de Lei
Projeto de Lei Estabelece Majoração de Penas para Delito Envolvendo Pirâmides Financeiras
O Projeto de Lei n.º 744/2021, de iniciativa do Deputado Celso Russomano (Republicanos-SP), foi apresentado em março deste ano para prever alterações na tipificação do delito de pirâmide financeira. O dispositivo atualmente em vigência na Lei de Crimes contra a Economia Popular prevê a pena de detenção, que pode variar de 6 meses a 2 anos, além de multa.
A sugestão da proposta atual é a revogação do atual dispositivo e inclusão de inciso no art. 4º da Lei nº 8.137/90, conhecida como Lei dos Crimes Contra a Ordem Econômica, na hipótese em que a repercussão do delito é limitada apenas a um Estado da Federação, com pena de reclusão de dois a cinco anos e multa.
Além disso, prevê a criação de um tipo penal específico na Lei Federal nº 7.492/86, Lei dos Crimes Financeiros, com reprimenda penal mais robusta na hipótese de repercussão interestadual ou por meio da utilização da rede mundial de computadores, com pena de reclusão de quatro a oito anos, além de multa.
Frise-se que a tentativa de alteração do delito não é novidade no âmbito legislativo, havendo propostas desde 2013 com o mesmo intuito de regular de forma mais severa os esquemas de pirâmide financeira. Neste sentido, aos 28 de abril último, foi determinado o apensamento da proposta ao Projeto de Lei nº 6731/2013, que tramita em conjunto com os PLs n.º 2315/2019 e 6206/2013, que também versam sobre a revogação do inciso específico da Lei de Crimes contra a Economia Popular e a inclusão de inciso no artigo 4º da Lei de Crimes contra a Ordem Econômica.
Em que pese a necessidade de atualização da legislação vigente, tendo em vista a antiguidade do atual dispositivo, que não acompanhou o avanço da rede mundial de computadores, é necessário que sejam observados os parâmetros constitucionais e processuais penais para que a reprimenda não seja exacerbada, ou, ainda, que não seja incongruente com o ordenamento jurídico, a exemplo de previsão, nos projetos apensados ao 744/2021, da mesma pena base tanto para a tentativa quando para a efetiva obtenção de ganhos ilícitos.
Projetos de Lei da Semana
O Observatório do Direito Penal acompanha semanalmente todos os Projetos de Lei elaborados pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, relacionados a temas de Direito Penal e Processo Penal. Confira aqui.
Avelar Advogados na Mídia
Leonardo Magalhães Avelar e Beatriz Esteves, em matéria para o ConJur, discutem a decisão do STF sobre a prisão cautelar. Confira o artigo.
Termômetro da Semana
O parecer apresentado no último dia 14 de abril pelo Deputado Federal João Campos (Republicanos-GO), relator-geral da Comissão Especial designada para a condução do Projeto ao Novo Código de Processo Penal gerou as esperadas reações negativas de diversas frentes. O projeto que se volta mais para a efetividade investigativa e proteção da vítima, coloca a figura do Ministério Público em segundo plano e ascende o Delegado de Polícia, além de minar garantias à defesa, o que, por si só, desvirtua a própria finalidade do Processo Penal.
Diante disso, o “Gabinete Integrado dos Profissionais de Segurança Pública e do Ministério Público Brasileiro”, composto pela Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais – FENAPRF, Federação Nacional dos Policiais Federais – FENAPEF, Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis – COBRAPOL, Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais – APCF, entre outras ligadas a servidores públicos da polícia judiciária e segurança pública, apresentou nota pública em oposição à proposta trazida pelo relator do projeto.
Entre as principais discordâncias das entidades, destaca-se a inserção do Ministério Público em um caráter suplementar na condução da investigação criminal e inclusão de dispositivos que favorecem tão somente a classe dos Delegados de Polícia, o que consistiria na “manutenção do status quo, com ainda mais burocracia, menos eficiência investigativa e mais poder concedido a um único cargo”. Conforme a sugestão do projeto, o Ministério Público apenas atuaria na condução da investigação criminal na hipótese de “fundado risco de ineficácia da elucidação dos fatos pela polícia, em razão de abuso do poder econômico ou político”, e ainda, é ressaltado que a “investigação será conduzida pelo delegado de polícia, sem prejuízo da atuação constitucionalmente conferida ao Ministério Público”.
Ademais, inferiu-se que “em vez de equiparar o Código de Processo Penal aos mais avançados do mundo, o parecer mantém a persecução criminal brasileira amarrada ao passado, presa à época da origem da própria República. Concentra o poder em poucas mãos e dificulta o trabalho de policiais e representantes do Ministério Público e do Poder Judiciário, apenas contribuindo, assim, para aumentar a impunidade e ampliar a violência”.
De fato, entre os diversos dispositivos incluídos no Projeto de Lei, grande parte volta-se à investigação criminal conduzida pela Polícia Judiciária, em contraponto com os poucos dispositivos existentes sobre o assunto no atual Código de Processo Penal. A figura do Delegado de Polícia e seus atos são inseridos em um patamar de relevância exasperado, a exemplo da (i) consideração do indiciamento como ato de validade jurídica – “o indiciado será advertido sobre a necessidade de fornecer corretamente o seu endereço, para fins de possível citação e intimações futuras, e sobre o dever de comunicar a eventual mudança do local onde possa ser encontrado”; (ii) possibilidade do Delegado de Polícia responsável pela condução da investigação interpor recurso em face da promoção de arquivamento do Ministério Público.
Não há de se discordar da importância da efetiva regulamentação na investigação conduzida pelo Ministério Público e harmonização com o princípio da legalidade. Por outro lado, o enaltecimento da figura do Delegado de Polícia, conforme proposta, deve ser vista com cautelas. Isso porque, tais disposições afastam a devida imparcialidade da Autoridade Policial na condução da investigação, equiparando-o a um sujeito processual, que possui interesse direto na responsabilização criminal.
Desse modo, espera-se que a proposta, que contém dispositivos reacionários prejudiciais à defesa, não seja aprovada nesses moldes, sob pena de configurar diploma legal antagônico aos princípios constitucionais e processuais penais vigentes.
Leonardo Magalhães Avelar
Taisa Carneiro Mariano
Beatriz Esteves
Bruna Assef Queiroz e Souza
Gabriela Giannella
Marina Hildebrand de Mello Parra
Vitoria Rodrigues de Souza
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