Notícias, Jurisprudências, Projetos de Lei e o Termômetro da Semana
Notícia
Aprovação de Três Novas Súmulas Relacionadas ao Direito Penal pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça
No último dia 10 de fevereiro, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, especializada em direito penal, aprovou três novas súmulas, sobre (i) execução da pena restritiva de direitos, (ii) necessidade de apresentação de instrumento de mandato por núcleos de práticas jurídicas, (iii) crime de fraude à licitação.
A Súmula n.º 643 trata da dependência do trânsito em julgado da condenação para dar início a execução da pena restritiva de direitos. Embora o disposto já esteja expressamente previsto na Lei de Execuções Penais, o enunciado é de suma importância para fixar que o entendimento consolidado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a impossibilidade de execução provisória da pena também se aplica às penas restritivas de direito.
A Súmula n.º 644 enuncia a necessidade de apresentação de instrumento de mandato por Núcleo de Prática Jurídica quando o constituído for réu hipossuficiente. Referido entendimento coloca fim à discussão existente sobre a equiparação da atuação dos Núcleos à Defensoria Pública.
Destaca-se, por fim, a relevância jurídica da fixação de entendimento majoritário na aprovação da Súmula n.º 645, no sentido de determinar que o crime de fraude à licitação é formal, prescindindo sua consumação da comprovação de prejuízo ou de obtenção de vantagem. Nesse sentido, o que se constata é que a condenação criminal poderia ocorrer mesmo nos casos em que não haja elementos para uma ação civil pública de improbidade administrativa.
Alexandre de Moraes Nega Pedido de Habeas Corpus sobre a Decisão de Luiz Fux Acerca da Suspensão do Juiz de Garantias
O Ministro Alexandre de Moraes entendeu, ao analisar o pedido de Habeas Corpus impetrado pelo Instituto de Garantias Penais (IGP), que não houve ilegalidade na decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux em janeiro de 2020, que suspendeu a eficácia de dispositivos da Lei Federal n.º 13.964/2019. O Ministro Alexandre de Moraes destacou que o Ministro Luiz Fux analisou e reconheceu os requisitos de concessão da liminar, não tendo sido demonstrado o constrangimento ilegal, uma vez que a própria criação e organização do juiz das garantias não chegou a ser implementada.
O Ministro também destacou que não cabe Habeas Corpus contra decisão monocrática de Ministro do Supremo Tribunal Federal, fortalecendo entendimento de tema que ainda gera divergência na Suprema Corte. O argumento do Ministro de manutenção da estrutura atual da Justiça Criminal não obsta que milhares de pessoas estejam sendo submetidas a constrangimento ilegal decorrente justamente da não aplicação da criação do Juiz de Garantias já instituída e aprovada pelo Congresso Nacional com eficácia paralisada por decisão monocrática.
Jurisprudência
Supremo Tribunal Federal Reafirma a Incompatibilidade da Prisão Preventiva com Regime de Cumprimento de Pena Mais Brando
Julgado: HC 196.062
Em decisão proferida no dia 22 de janeiro, a Ministra Rosa Weber, da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, concedeu Habeas Corpus de ofício para assegurar o direito de Paciente recorrer em liberdade, revogando-se a prisão preventiva a qual estava submetido. No caso concreto, o Paciente havia sido condenado à pena de 5 (cinco) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto.
Segundo o entendimento da Ministra Relatora, a denegação do direito de o sentenciado recorrer em liberdade deve ser compatibilizada com as condições do regime determinado para cumprimento da pena. Ademais, chancelar tal decisão configuraria a execução provisória da pena em regime mais gravoso daquele efetivamente aplicado, quando nem sequer há a definição de seu édito condenatório.
A decisão proferida é coerente com a posição já sedimentada pela Corte sobre o tema, reafirmando direito fundamental da permanência em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenatória, bem como, a necessidade da devida fundamentação e proporcionalidade da imposição da prisão preventiva, assim como a sua manutenção. Mais do que isso, reforça o que há muito já é consolidado, referente à excepcionalidade da prisão preventiva.
Terceira Seção do STJ Inicia o Julgamento Sobre a Retroatividade da Lei n.º 13.964/19 no Crime de Estelionato – Divergência de Entendimento Entre a 5ª e 6ª Turmas
Julgado: HC 610.201
A Lei Federal n.º 13.964/19 (Pacote “Anticrime”) inovou ao prever que o crime de estelionato é de ação penal pública condicionada à representação, salvo alguns casos excepcionados. Grande discussão doutrinária e jurisprudencial impera sobre a natureza jurídica da referida norma, tendo em vista que a Constituição prevê que apenas a lei penal retroagirá para beneficiar o réu (artigo 5º, XL, CF).
Com relação à retroatividade da lei, para a 5ª Turma do STJ, a exigência de representação da vítima só retroage até o momento da denúncia, motivo pelo qual os processos em curso não seriam afetados. Tal entendimento se assemelha ao adotado pela 1ª Turma do STF no julgamento do HC n.º 187.341. Por sua vez, a 6º Turma do STJ possui o entendimento de que a norma retroage até o trânsito em julgado da ação por estelionato, contudo, não levaria a uma imediata extinção da punibilidade, dependendo da intimação da vítima para se manifestar.
Em sessão de julgamento iniciada em 10 de fevereiro pela Terceira Seção do STJ, o Ministro Relator Nefi Cordeiro defendeu que a norma deve retroagir em benefício do réu, tendo em vista que possui também natureza de norma material, na medida em que afeta o direito de punir do Estado. O Ministro Ribeiro Dantas abriu divergência, entendendo que não é possível concluir que a lei possui natureza de direito material, tendo em vista que o Congresso Nacional não concluiu dessa forma e que, votar em sentido contrário, estaria indo contra a vontade do legislador. O ministro Antônio Saldanha Palheiro seguiu a divergência, pontuando que a denúncia recebida consolida a relação processual. Após, o julgamento foi suspenso com pedido de vista do Ministro Felix Fischer.
Embora a discussão esteja longe de acabar, o posicionamento da 6ª Turma é o mais acertado, tendo em vista que a lei que altera a natureza da ação penal - transformando de ação penal pública incondicionada para condicionada à representação - possui natureza híbrida, processual e penal, razão pela qual deve ser aplicada a interpretação mais favorável ao réu e o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, de modo a retroagir até o trânsito em julgado da sentença.
Projeto de Lei
Projeto de Lei Inclui Alteração na Lei de Abuso de Autoridade para Criminalizar Agentes Públicos que Impuserem Medidas de Isolamento Social que Interfiram em Direitos Fundamentais
Desde o início da pandemia da Covid-19 no território brasileiro, apresentaram-se diversos Projetos de Lei referentes a medidas penais relacionadas ao vírus, entre um deles, o PL nº 2996/20, de autoria do Deputado Federal Osires Damaso, do PSC-TO, que visa incluir na Lei Federal nº 13.869/19 (Lei de Abuso de Autoridade) delitos referentes à imposição de medidas de isolamento social que violem direitos fundamentais.
As alterações propostas foram a pena de detenção de um a quatro anos e multa para as condutas praticadas: (i) por agente público que impedir, por qualquer ato e sob qualquer pretexto, o exercício de direitos constitucionais em tempos de paz, ainda que sob a vigência de estado de calamidade pública; (ii) ato que restrinja a livre manifestação de pensamento em qualquer meio, incluídas as redes e mídias sociais e aplicativos de bate-papo em celular; (iii) por autoridade que tomar medidas que venham a ultrapassar os limites de isolamento e quarentena estabelecidos na Lei 13.979/20, que dispõe sobre o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.
Segundo os motivos de justificação da proposta legislativa, com o advento da pandemia do Coronavírus, Autoridades Públicas e detentores de mandatos políticos passaram a adotar medidas restritivas para conter a disseminação do vírus. Ocorre que, na justificativa da lei, tais medidas seriam categorizadas como atrocidades e violações aos direitos fundamentais, uma vez que sequer haveria comprovação científica da efetividade do isolamento social para a prevenção do contágio pelo vírus.
A proposta apresentada, de início, foge dos objetivos e bens jurídicos protegidos pela legislação em questão, uma vez que pretende a punição penal com utilização de critérios meramente ideológicos. Ainda que a liberdade de cultos religiosos públicos, livre exercício de ofício ou profissão, livre locomoção e direito de reunião sejam direitos fundamentais, é certo que, como já há muito consolidado pela doutrina e jurisprudência constitucionalista, os direitos fundamentais não são absolutos, quando o seu exercício fere outro direito como o direito à vida e à saúde. Nesse sentido, o projeto além de representar a ânsia punitivista e desconsiderar estudos científicos sobre a efetividade do isolamento social, está maculado por vícios jurídicos e sua aprovação seria manifestamente inconstitucional.
Projetos de Lei da Semana
O Observatório do Direito Penal acompanha semanalmente todos os Projetos de Lei elaborados pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, relacionados a temas de Direito Penal e Processo Penal. Confira aqui.
Avelar Advogados na Mídia
Leonardo Magalhães Avelar conversa sobre os bastidores da advocacia criminal e sua carreira, no mais recente episódio do RE_Talks, podcast que entrevista profissionais de destaque do Direito. Confira a entrevista.
Leonardo Magalhães Avelar e Taisa Carneiro Mariano, em matéria do Migalhas, abordaram os principais pontos do julgamento da Suprema Corte a respeito do acesso às mensagens de Moro pela defesa do ex-presidente Lula. Leia o artigo.
Termômetro da Semana
A prisão do Deputado Estadual Daniel Silveira, na última semana, além de grande repercussão nacional, suscitou questões de suma relevância para a comunidade jurídica envolvendo os limites da imunidade parlamentar, a existência de fundamento legal para decretação da prisão em flagrante e os contornos políticos da decisão proferida no âmbito do inquérito policial das Fake News do Supremo Tribunal Federal.
A prisão foi decretada pelo Ministro Alexandre de Moraes, após publicação de vídeo de cerca de vinte minutos, em redes sociais, no qual o Parlamentar ataca frontalmente os Ministros do Supremo Tribunal Federal, instiga a adoção de medidas violentas e faz menções expressas à adoção de medidas antidemocráticas em face da instituição, chegando ao ápice de defender o Ato Institucional n.º 5, que marcou o recrudescimento da Ditadura Militar no Brasil.
O Ministro considerou que as falas do Deputado configuram crime contra honra do Poder Judiciário e dos Ministros do STF, atentam ao Estado Democrático de Direito e suas instituições, incitam à subversão da ordem política e à animosidade entre as Forças Armadas e as instituições civis, delitos previstos na Lei de Segurança Nacional. O flagrante delito, por sua vez, foi justificado uma vez que o vídeo permanece disponível e acessível a todos os usuários da rede mundial de computadores, de forma que Daniel Silveira estaria em infração permanente, o que permitiria sua prisão em flagrante. Ademais, argumentou que por estarem presentes os requisitos para prisão preventiva, os delitos seriam insuscetíveis de fiança.
Por unanimidade, o Plenário do STF manteve a prisão do Parlamentar, destacando que compete à Corte zelar pela higidez do funcionamento das instituições e promover a estabilidade democrática. Nesse ato, foi destacado que a fala do Deputado não configura exercício da função parlamentar, não sendo compatível com a imunidade. Seguindo o disposto na Constituição Federal, em sessão de julgamento, a Câmara dos Deputados decidiu, por maioria absoluta, pela manutenção da prisão do Deputado.
A Constituição Federal assegura a imunidade formal dos parlamentares por quaisquer opiniões palavras e votos, admitindo apenas a prisão em flagrante por crime inafiançável. Evidente que a garantia existe para que as opiniões políticas possam ser expressas livremente, no exercício de sua função, sem qualquer tipo de retaliação. Entretanto, não se trata de imunidade absoluta para que crimes possam ser cometidos. No caso em comento, as declarações, embora tenham contornos políticos, se afastam do exercício de suas funções e caracterizam ameaças graves às instituições brasileiras, podendo configurar crime. Tal entendimento também foi corroborado pela Câmara dos Deputados que manteve sua prisão.
O Código de Processo Penal, por sua vez, considera em flagrante delito quem está cometendo a infração ou acaba de cometê-la ou ainda nas infrações permanentes, hipótese essa última utilizada pelo Ministro para decretação da prisão. Embora os efeitos da postagem do vídeo possam ser prolongados por sua disponibilização na rede mundial de computadores, os delitos contidos na fala do parlamentar são instantâneos, tornando a decisão do Ministro afastada do conceito de estado de flagrância. A inafiançabilidade dos delitos também merece questionamento, uma vez que as circunstâncias que impedem a fiança não implicam na conclusão de se tratar de crime inafiançável.
Em que pese as falas do parlamentar sejam lamentáveis e configurem crimes passíveis de repressão, não se pode admitir, na ânsia por apresentar uma resposta enérgica às reiteradas atitudes do Deputado, que importantes conceitos sejam ampliados para se criar uma hipótese em que a prisão seria cabível. Referida decisão é temerária e abre precedentes para perseguições políticas e distorções das regras penais e processuais penais sob o pretexto de justificar o arbítrio.
Leonardo Magalhães Avelar
Taisa Carneiro Mariano
Beatriz Esteves
Bruna Assef Queiroz e Souza
Gabriela Giannella
Giovanna Espir
Vitoria Rodrigues de Souza
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