Por: Migalhas
Diante da relevância do tema, o julgamento da questão foi pautado com celeridade, momento em que a Suprema Corte irá analisar se mantém ou não o acesso às mensagens pela defesa do ex-presidente.
No final de dezembro de 2020, o ministro Ricardo Lewandowski, relator da teclamação 43.007, deferiu o acesso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao conteúdo das mensagens instantâneas de Procuradores da República membros da força tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba e do ex-juiz Federal Sergio Moro, obtidas mediante ações de hackers. Logo no início do calendário judiciário da Corte, o ministro levantou o sigilo que acobertava os autos, trazendo assim à tona o conteúdo das comunicações.
Os diálogos liberados demonstram que as atuações do Ministério Público Federal e de Sergio Moro se afastam - e muito - dos princípios e obrigações que norteiam os seus ofícios, em especial, a imparcialidade do Magistrado. Entre o conteúdo obtido, destaca-se: (i) questionamentos, partindo do próprio Juiz ao Procurador da República, Deltan Dallagnol, a respeito da solidez de denúncia que viria a ser oferecida contra investigado; (ii) pedidos de manifestações do Ministério Público Federal a respeito de condução coercitiva de investigados na operação Lava Jato, a qual foi posteriormente deferida por Sergio Moro; (iii) orientações de Moro aos Procuradores com relação a perícias que deveriam ser realizadas nas investigações, sob pena de inutilização da prova; (iv) reuniões sem a observância das regras para a cooperação jurídica internacional, por parte do MPF e com anuência de Moro, com representantes suíços e norte-americanos; (v) articulação dos membros da força tarefa a respeito do juiz que viria a substituir Sergio Moro, visando influenciar para a nomeação de Magistrado com perfil alinhado ao dos Procuradores; (vi) homologação de delações premiadas desprovidas de elementos de corroboração com a finalidade de se obter efeitos políticos.
Do outro lado, o fornecimento do conteúdo à defesa do ex-presidente e levantamento do sigilo desencadeou diversas reações. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) encaminhou ofício, no último dia 4 de fevereiro, ao Supremo Tribunal Federal, requerendo a revogação da decisão proferida pelo ministro, bem como seja mantido o sigilo absoluto de eventuais elementos probatórios que possam ser utilizados pela defesa do ex-presidente, sob o argumento que não há comprovação pericial da veracidade dos diálogos e, caso fossem verdadeiros, foram obtidos ilicitamente, a partir de ataque cibernético. Sergio Moro também se insurgiu contra a decisão de Lewandowski, por meio de Reclamação Constitucional, afirmando que a permanência do processo sob a relatoria do ministro configuraria afronta ao princípio do juiz natural, uma vez que a prevenção para apreciação dos feitos relativos à operação Lava Jato é do ministro Edson Fachin.
A relevância das conversas obtidas é indiscutível, o que pode colocar em prova o futuro da operação Lava Jato e todas as suas consequências já materializadas no mundo jurídico. Se demonstrada interferência indevida do Poder Judiciário na condução de investigações e processos criminais, inobservância de regras procedimentais basilares, a violação à imparcialidade da jurisdição, consagrada na Constituição Federal e Lei Orgânica da Magistratura, a anulação dos atos comprovadamente viciados será o esperado. Em contrapartida, caso haja a admissibilidade da utilização das conversas, nasce a discussão sobre a licitude da prova, uma vez que o meio de obtenção das comunicações seria a partir de ataques cibernéticos. Entretanto, sobre esse ponto é importante destacar que prevalece na doutrina processual o entendimento de que uma prova, mesmo que decorrente de obtenção ilícita, pode sempre ser utilizada em benefício do réu.
Diante da relevância do tema, o julgamento da questão foi pautado com celeridade, momento em que a Suprema Corte irá analisar se mantém ou não o acesso às mensagens pela defesa do ex-presidente. A definição do tema será paradigmática no Direito Processual Penal Brasileiro uma vez que, se válidos os diálogos para afirmar a imparcialidade de Sergio Moro, haveria a admissão de provas supostamente ilícitas, o que sempre deve ocorrer em benefício do réu. No entanto, se reconhecida a imprestabilidade dos elementos, a preponderância do princípio da imparcialidade da jurisdição seria indevidamente relativizada.
*Leonardo Magalhães Avelar. Advogado Criminalista. Membro do Observatório do Direito Penal. Advogado do Escritório Avelar Advogados.
*Taisa Carneiro Mariano. Advogada Criminalista. Membro do Observatório do Direito Penal. Advogada do Escritório Avelar Advogados.
Texto publicado originalmente em Migalhas.